domingo, agosto 06, 2006

Zeca Afonso - Vampiros



Vampiros



No céu cinzento

Sob o astro mudo

Batendo as asas

Pela noite calada

Vêm em bandos

Com pés veludo

Chupar o sangue

Fresco da manada


Se alguém se engana

Com seu ar sisudo

E lhes franqueia

As portas à chegada

Eles comem tudo

Eles comem tudo

Eles comem tudo

E não deixam nada


A toda a parte

Chegam os vampiros

Poisam nos prédios

Poisam nas calçadas

Trazem no ventre

Despojos antigos

Mas nada os prende

Às vidas acabadas


São os mordomos

Do universo todo

Senhores à força

Mandadores sem lei

Enchem as tulhas

Bebem vinho novo

Dançam a ronda

No pinhal do rei


Eles comem tudo

Eles comem tudo

Eles comem tudo

E não deixam nada


No chão do medo

Tombam os vencidos

Ouvem-se os gritos

Na noite abafada

Jazem nos fossos

Vítimas dum credo

E não se esgota

O sangue da manada


Se alguém se engana

Com seu ar sisudo

E lhe franqueia

As portas à chegada

Eles comem tudo

Eles comem tudo

Eles comem tudo

E não deixam nada


Eles comem tudo

Eles comem tudo

Eles comem tudo

E não deixam nada



Zeca Afonso (Poeta e cantor português, 1929-1987)



Imagem: Nosferatu by al dark side

2 comentários:

Anónimo disse...

Susana,
Politica, porquê?

Anónimo disse...

Manuel,

compreendo a sua questão, porque neste tema mudei um pouco o âmbito das palavras que me tocam... De palavras intimistas, de emoções idividuais, passei para palavras que espelham emoções colectivas e nada intimistas. No entanto, ambos os tipos de poemas têm um ponto comum: a densidade das emoções e da mensagem que querem transmitir. É, provavelmente, por isso que todos eles me tocam.

Neste tema resolvi falar de política porque também as palavras da política me tocam. Também as palavras políticas me suscitam emoções. Não sou militante de nenhum partido, mas existem determinadas questões (políticas e sociais) a que sou sensível. Nos poemas que escolhi estão retratadas algumas dessas questões.

Um abraço,

Susana Barrisco