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sexta-feira, julho 04, 2008

Octávio Paz - Rendição



Depois de ter cortado todos os braços que se estendiam para mim; depois de ter entaipado todas as janelas e todas as portas; depois de ter inundado os fossos com água envenenada; depois de ter edificado minha casa num rochedo inacessível aos afagos e ao medo; depois de ter lançado punhados de silêncio e monossílabos de desprezo a meus amores; depois de ter esquecido meu nome e o nome da minha terra natal; depois de me ter condenado a perpétua espera e a solidão perpétua, ouvi contra as pedras de meu calabouço de silogismos a investida húmida, terna, insistente, da Primavera.



Octavio Paz (Poeta Mexicano, 1914-1998)

domingo, abril 08, 2007

J. Ribamar Matos - Ressurreição



Foto: Faith, de selvag60



Se eu falecer, querida, bem distante,
e não vires, sequer, meu corpo frio,
ao meu sepulcro leva, a cada instante,
a dor cristalizada, fio a fio...

Reza ao teu morto uma oração constante:
deixa cair do triste olhar vazio,
do teu, então, já pálido semblante
o pranto que te torna o olhar sombrio...

Vai derramar em minha sepultura
chuva eterna de lágrima sentida
de tua alma, diluída na amargura;

que, se molhar a minha face ungida,
então me erguendo lá da cova escura,
eu chamarei por ti, mulher querida!



J. Ribamar Matos (Poeta brasileiro)

Rosa Alice Branco - O "aqui"



O "aqui"
acorda no mundo do poema
e ressuscita-me.

Não digas o meu nome.
Toca-me com a doçura do arco
e diz: "tu" ou
"estás aqui".
São palavras voadoras
que nunca falham o alvo.



Rosa Alice Branco (Poetisa portuguesa, 1950- )

Al Berto - Lázaro



é tempo de simulares a ressurreição
ergue-te da eternidade dos astros
escava nas veias três dias mortas
o sonho
e no fundo do espelho respira alegria
sobre o rosto escuro como um mingrólio
acende-te
na humidade sonolenta das mãos
finge a vida
mesmo que permaneça morto
bebe
a perene memória das imagens

levanta-te de mim Lázaro
como se fosses água ainda turva
sublima-te com o delicado fulgor da respiração
e não ao contínuo movimento falso
do coração




Al Berto (Poeta português, 1948-1997)

Ilka Brunhilde Laurito - V [Canto ao arrumar a cama]



Canto ao arrumar a cama,
canto
diligente verônica
oficiando os passos
da paixão cotidiana.

Exibo ao meu espelho atônito
os lençóis que estampam o corpo
do senhor que nunca me salvou
da crucificação no pranto.

E canto porque canto,
sem esperanças de glória
ou de ressurreição.



Poema integrante da série Suíte Doméstica.

Ilka Brunhilde Laurito (Poetisa brasileira, 1925- )

Adélia Prado - O Intenso Brilho

Foto: ME



É impossível no mundo
estarmos juntos
ainda que do meu lado adormecesses.
O véu que protege a vida
nos separa.
O véu que protege a vida
nos protege.
aproveita, pois,
que é tudo branco agora,
à boca do precipício,
neste vórtice
e fala
nesta clareira aberta pela insônia
quero ouvir tua alma
a que mora na garganta
como em túmulos
esperando a hora da ressurreição,
fala meu nome
antes que eu retorne
ao dia pleno,
à semi-escuridão



Adélia Prado (Escritora e Poetisa brasileira, 1935- )

Jáder Carvalho - Eu me enganei



Foto: A minha grande ilusão, Rui Vale de Sousa.



Eu me enganei quando disse: "É o fim!"
Via-me no espelho: a neve no cabelo.
As rugas se cruzavam no meu rosto.
A vista se cansava. Ah, era o fim!

Dentro do peito, o coração batia.
Em contraste com o rosto, a alma era jovem.
Eu gostava do cheiro das mulheres:
ia do olfato às profundezas d’alma.

Pensei: "A vida não me chega ao termo.
Sou todo vida. Só por fora é a morte."
E o mundo viu minha ressurreição.

Ah, quantas noites dormirei contigo!
Ah, quanto sol-nascente inda me espera!
A estrada é longa, mas não cansarei!...



Jáder Carvalho (Jornalista, poeta, romancista, ensaísta, professor e advogado brasileiro, 1902-1985)