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domingo, novembro 26, 2006

Palavras Recebidas



A propósito dos tema Nós como Gatos, a Amanda enviou-me um poema de Chico Buarque.

Amanda, obrigada pela participação.



Foto: autor desconhecido



História de uma Gata



Me alimentaram
Me acariciaram
Me aliciaram
Me acostumaram

O meu mundo era o apartamento
Detefon, almofada e trato
Todo dia filé-mignon
Ou mesmo um bom filé... de gato
Me diziam em casa, não tome vento
Mas é duro ficar na sua
Quando à luz da lua
Tantos gatos pela rua
Toda a noite vão cantando assim

Nós, gatos, já nascemos pobres
Porém, já nascemos livress
Senhor, senhora ou senhorio
Felino, não reconhecerás

De manhã eu voltei pra casa
Fui barrada na portaria
Sem filé e sem almofada
Por causa da cantoria
Mas agora o meu dia-a-dia
É no meio da gataria
Pela rua virando lata
Eu sou mais eu, mais gata
Numa louca serenata
Que de noite sai cantando assim

Nós, gatos, já nascemos pobres
Porém, já nascemos livres
Senhor, senhora ou senhorio
Felino, não reconhecerás



Chico Buarque (Poeta e cantor brasileiro, 1977)

domingo, novembro 05, 2006

Fernanda Botelho - Legenda



Foto de Diane Diederich



Como quem sente
na legenda do presente
o fim duma história breve,
vou vivendo um sonho intacto
num pesadelo crescente
— uma luz fecunda e leve
nos olhos pardos dum gato.



Fernanda Botelho (Ficcionista, tradutora e poetisa portuguesa, 1926- )

Gato que brincas na rua


Foto: Taormina Cat, CIP, 2003



Gato que brincas na rua
Como se fosse na cama,
Invejo a sorte que é tua
Porque nem sorte se chama.

Bom servo das leis fatais
Que regem pedras e gentes,
Que tens instintos gerais
E sentes só o que sentes.

És feliz porque és assim,
Todo o nada que és é teu
Eu vejo-me e estou sem mim,
Conheço-me e não sou eu.


Janeiro de 1931



Fernando Pessoa (Poeta português, 1888-1935)

Amílcar Dória - Então adormeceu em fundo sono



Pintura de Renee Lee


Então adormeceu em fundo sono.
Mas quando despertou não era outro.
Continuava o mesmo, um ser tristonho
a se indagar do seu tristonho encanto.

Ergueu-se dos recantos da caverna
à luz das tochas vivas da agonia.
E pronto retomou a sua angústia
de se indagar da própria procedência.

Por que sou eu quem sou? - ele dizia.
Por que me deram mãos e um coração
que se perturba a cada vez que o dia

noite se torna, e a noite, madrugada,
enquanto os gatos no telhado miam?
Não sei se o gato tem a ver comigo.




Amílcar Dória (Jornalista, poeta e escritor brasileiro, 1938- )

Manuel António Pina - Nenhuma música



Foto de James McQuillan


O gato olha-me
ou o meu olhar olhando-o?
E eu que não vejo senão
a mesma Única solidão?

Chamo-o pelo nome,
pela oposição.
Em vão:
sou eu quem responde.

Virou-se e saltou
para o parapeito
real e perfeito,
sem nome e sem corpo.
(Também eu estou
como ele, morto).



Manuel António Pina (Jornalista, escritor e poeta português, 1943- )

Nietzsche - Porque prefiro...



Porque prefiro ainda o barulho e a tempestade e as maldições do tempo a esta calma de gato prudente e céptico; e, entre os homens, aqueles que mais odeio são os que passam furtivamente e os tíbios, as nuvens que passam duvidosas e hesitantes.

Nietzsche (Filósofo Alemão, 1844-1900)


Frank Kafka - Fábula Curta



Foto: Gato-rato de Eneias Rodrigues



"Ai de mim!", disse o rato, "o mundo vai ficando dia a dia mais estreito". "Outrora, tão grande era que ganhei medo e corri, corri até que finalmente fiquei contente por ver aparecerem muros de ambos os lados do horizonte, mas estes altos muros correm tão rapidamente um ao encontro do outro que eis-me já no fim do percurso, vendo ao fundo a ratoeira em que irei cair".

"- Mas o que tens a fazer é mudar de direcção", disse o gato, devorando-o.




Frank Kafka (Escritor Checo, 1883-1924)

domingo, outubro 29, 2006

As minhas palavras... 29 de Outubro de 2006



Ontem fui à Barraca. Para quem não conhece, a Barraca é um Teatro, em Lisboa, que actualmente está transformado em bar/café-concerto. Neste espaço são realizadas várias actividades culturais como noites de poesia, noites reservadas a contadores de histórias, noites de dança, etc.

Um outro serviço cultural da Barraca consiste na "Poesia para levar". Em cada noite, todas as mesas do bar têm um poema para os seus clientes.

Foi através do "Poesias para levar" que conheci o Poema de Desamor de Alexandre O'Neill. Foi este poema que impulsionou a escolha do tema de hoje: Nós como gatos na poesia: amor e desamor.

Nós como gatos nas palavras de...

- Martha Medeiros - Sou uma gata...
- Chico Buarque - Caçada
- Ricardo kelmer - Remanso
- Pedro Paixão - Excerto de "Assinar a Pele"
- Alexandre O'Neill - Poema do Desamor (Poema do "Poesia para levar")
- Isabel Meyreles - Tu já me arrumaste no armário dos restos

Espero que gostem.

Um abraço.

Susana.


Foto: Pushka in Black and White by Slight Clutter

Martha Medeiros - Sou uma gata...



Sou uma gata...



sou uma gata
que cruza
outros gatos
na rua

quem vê gata
assanhada
logo fica
engatado



Martha Medeiros


Foto de Rüsted

Chico Buarque - Caçada









Não conheço seu nome ou paradeiro
Adivinho seu rastro e cheiro
Vou armado de dentes e coragem
Vou morder sua carne selvagem
Varo a noite sem cochilar, aflito
Amanheço imitando o seu grito
Me aproximo rondando a sua toca
E ao me ver você me provoca
Você canta a sua agonia louca
Água me borbulha na boca
Minha presa rugindo sua raça
Pernas se debatendo e o seu fervor
Hoje é o dia da graça
Hoje é o dia da caça e do caçador

Eu me espicho no espaço feito um gato
Pra pegar você, bicho do mato
Saciar a sua avidez mestiça
Que ao me ver se encolhe e me atiça
Que num mesmo impulso me expulso e abraça
Nossas peles grudando de suor
Hoje é o dia da graça
Hoje é o dia da caça e do caçador

De tocaia fico a espreitar a fera
Logo dou-lhe o bote certeiro
Já conheço seu dorso de gazela
Cavalo brabo montado em pêlo
Dominante, não se desembaraça
Ofegante, é dona do seu senhor
Hoje é o dia da graça
Hoje é o dia da caça e do caçador




Chico Buarque (Poeta e cantor brasileiro, 1944- )


Foto de Eugene Vardanyan


Ricardo Kelmer - Remanso






Espreguiçar meus olhos lentos
Pelo teu jeito manso
E se deixar assim sossegando de repente
Sem ranço a gente se chegando
Feito gato dengoso nas pernas da gente

Bocejar meus olhos sonolentos
Pelo teu corpo manso
E adormecer de descanso o meu corpo dormente
Feito remanso na gente se aninhando
Feito gato dengoso no teu colo quente



Ricardo Kelmer


Foto: One by Maryane b



Pedro Paixão - Excerto de "Assinar a Pele"



Há dia, sabes, em que gostava de ser como o gato e que me tocasses sem desejar encontrar quaisquer sentimentos a não ser o que se exprime num espreguiçar muito lento - um vago agradecimento? - e que depois me deixasses deitado no sofá sem que nada pudesses levar da minha alma, pois nem saberias o que dela roubar.

em «Assinar a Pele» de Pedro Paixão (Escritor português, 1956- )


Foto de Ryan Chylinski

Alexandre O'Neill - Poema do Desamor





Poema do Desamor




Desmama-te desanca-te desbunda-te
Não se pode morar nos olhos de um gato

Beija embainha grunhe geme
Não se pode morar nos olhos de um gato

Serve-te serve sorve lambe trinca
Não se pode morar nos olhos de um gato

Queixa-te coxa-te desnalga-te desalma-te
Não se pode morar nos olhos de um gato

Arfa arqueja moleja aleija
Não se pode morar nos olhos de um gato

Ferra marca dispara enodoa
Não se pode morar nos olhos de um gato

Faz festa protesta desembesta
Não se pode morar nos olhos de um gato

Arranha arrepanha apanha espanca
Não se pode morar nos olhos de um gato



Alexande O'Neill (Poeta português, 1924-1986)



Foto: See you tomorrow by Buntekuh

Isabel Meyrelles - Tu já me arrumaste no armário dos restos



Tu já me arrumaste no armário dos restos


Tu já me arrumaste no armário dos restos
eu já te guardei na gaveta dos corpos perdidos
e das nossas memórias começamos a varrer
as pequenas gotas de felicidade
que já fomos.
Mas no tempo subjectivo
tu és ainda o meu relógio de vento
a minha máquina aceleradora de sangue
e por quanto tempo ainda
as minhas mãos serão para ti
o nocturno passeio do gato no telhado?



Isabel Meyrelles (Poetisa e escultora portuguesa, 1929- )


Foto no Flickr