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domingo, julho 15, 2007

Renato Macedo - Pico



Foto: Pico, por F M S Botelho



Majestoso gigante adormecido,
Nas buliçosas águas flutuante,
Falo mor de ígnea pedra aos céus erguido
Do infinito no ventre penetrante.


Vagabundo nariz de mareante,
Na saga dos mistérios da noite escura
Esquadrinhando no rasto cintilante
Os ignotos caminhos da aventura.


Telúrico cetáceo mergulhante
Nos abismos da Atlântida adormecida,
Lendas de longe sorrindo a cada instante
Nas esperanças, nos sonhos da partida.


Romântico trovador embevecido,
Capa negra em noites de luar,
Às estrelas cantando ao desafio
Com o vento murmurando sobre o mar.


Etérea silhueta esculpida
Nas brumas das manhãs de primavera,
Saudade companheira duma vida
Imo altar onde minha alma Deus houvera



Renato Macedo (Poeta português)

Renato Macedo - Ganhoas



Foto: Canção de Liberdade, por Sissi



Lá vão elas, lá vão elas,
Ligeirinhas sobre o mar,
A voar, a voar.

Lá vão elas,
Saltitando onda a onda,
Brincando,
Mergulhando,
Romeirinhas do sol
Em manhãs de arrebol.

Ganhoas, ganhoas,
Tantas pedrinhas de cal,
Dançarinas do azul
Aspergido no canal!

Ganhoas, ganhoas,
Mourejando, pipilando,
Aos bandos, descansando,
Nos penedos da alagoa.

E, lá pela tardinha,
Com o sol a se esconder,
Lá vão elas a volver
Depressinha ao arraial
Nos rochedos esculpidos
Na baía do Faial.

Lá vão elas, caravelas,
Ligeirinhas sobre o mar,
A minha alma vai com elas
A voar, a voar, a voar!



P.S. No Faial chama-se “ganhoa” à gaivota. Com o significado de garça, Cândido de Figueiredo regista-o como açorianismo.


Renato Macedo (Poeta português)

Renato Macedo - Finis



Quando vier meu dia derradeiro,
Mulher, não chores nem me ponhas flores!
Faz da mortalha um fato de marinheiro,
E do caixão um barco a vapor(es).

Deita-o ao mar por entre o nevoeiro,
Sem bússola, leme e para-lhe os motores,
Deixa que as ondas façam o roteiro
E que aos baldões encalhe nos Açores.

Bela sereia, alçando pela proa,
Amarrará o barco à revelia
Com linha ao cepo a ré duma canoa

A sirene ecoará pela baía
E, ao luar, marrecas e ganhoa(s)
Me zurzirão c'o hino da alegria.



Renato Macedo (Poeta português)

domingo, abril 22, 2007

Renato Macedo - Biografia



Renato Macedo nasceu na freguesia de São Mateus do Pico em cuja escola concluiu o Ensino Primário. Foi durante alguns anos empregado de escritório enquanto concluía o curso geral do ensino secundário no Liceu Nacional da Horta. Matriculou-se na Escola do Magistério Primário onde obteve o diploma de Professor do Ensino Primário. Desenvolveu toda a sua actividade profissional nos distritos de Aveiro e Coimbra. Foi ainda Professor de Metodologia e Prática Pedagógica na Escola do Magistério Primário de Coimbra. No Liceu Normal de D.João III, em Coimbra, concluíu o 3º ciclo do ensino secundário. Frequentou o 1º ano da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra.

A sua actividade literária iniciou-se no jornal "Correio da Horta" no qual manteve uma página de informação musical – "LIRA". Em Coimbra, colaborou nos jornais "Diário de Coimbra", "Diário das Beiras", "Jornal de Coimbra", “CENTRO” e em diversas publicações sindicais.
Em 2002 publicou o seu primeiro livro - "SONHOS, TEORIAS E UTOPIAS DE UM PROFESSOR PRIMÁRIO". Em 2004 vinha a lume o segundo: RECIOS. Tem em preparação, um livro de poesia.


Renato Macedo - Um certo olhar



Foto: Janosch Simon



Fulgem safiras
Por entre trigais,
Brilham dois sóis
Em róseas manhãs,
Correm dois rios
Em níveas montanhas,
Fogem dois linces
Nas sombras da noite,
Crepitam fogueiras
No meu pensamento,
Murmuram cascatas
No meu coração.

Rios que correm
Pelas manhãs,
Trigais ondulantes
Em níveas montanhas,
Linces fugindo
No meu pensamento,
Fogueiras nas sombras
Do meu coração.



Renato Macedo (Poeta português)

Renato Macedo - Ilusão



Foto: Dry, de Bastien Pons



De tanto amar-te, assim, tão loucamente,
Por te querer bem mais que à própria vida,
Foi minha alma jazendo esquecida,
Morrendo ao pé da tua docemente.

Nos meus, os olhos teus eram nascente
Dum divo sol de luz sobreaquecida,
Na minha, tua boca ressequida
Um beijo incompleto, amaro, ausente.

Neste ardor incessante da procura,
Em que o pulsar ofusca o pensamento,
O amor é um bem que pouco dura.

É deserto, miragem, um tormento
Que, doendo p’ra além da sepultura,
À vida dá sentido e encantamento.



Renato Macedo (Poeta português)

Renato Macedo - Rósea Dança



Foto: Abraço, de Oleg Kosirev



Rósea flor cintilava no jardim,
Senhoril, delicada, donairosa,
Pelo vento dançava graciosa
Ao som dum melro hábil no flautim.

Feliz enlevo, quando dei por mim,
Já bailava na relva preguiçosa
De mão dada, rodando mais a rosa
Rumbas, valsas, num cirandar sem fim.

Quando, à noite, as estrelas e o luar
No céu vertiam prata e diamantes,
A rosa, para sempre, era meu par.

Sortilégio maldito o dos amantes:
Finda a dança, jaziam a murchar
Pét’las tristes, caindo em cada instante.



Renato Macedo (Poeta português)

Renato Macedo - Corpo de Mar



Em teu corpo, meu amor, pressinto o mar
Em volutas de espuma e de rosas,
Bonanças que se espraiam preguiçosas,
Horizontes que se perdem no olhar.

Sereias mil me beijando ao luar,
Medusas que me cingem caprichosas,
Ninfas nuas dançando deleitosas
Ressacas de volúpia em preia-mar.

E, quando minhas mãos acariciando
As ondas que se lançam em frenesim
Nas praias do teu ser em descomando,

Um navio as amarras solta em mim,
Em águas buliçosas ondulando,
Preste se vai por céus e mares sem fim.



Renato Macedo (Poeta português)

Renato Macedo - Solidão



Foto: Lars Graf



Quando eu morrer, me enterrem ao sol-pôr
No meio do deserto. Sobre a areia,
Disponham uma cruz e uma candeia
E, em seguida, partam, por favor.

Quero ficar sozinho nesta dor,
Neste frio de alma que vagueia
P'los dias que se vão na melopeia
Do silêncio que queima em meu redor.

De entre todas, a luz do firmamento
Uma estrela, em jeito de ternura,
À candeia dará por alimento.

E o vento, varrendo a planura,
Das areias fará assentamento
E mais profunda a minha sepultura.



Renato Macedo (Poeta português)

Renato Macedo - Ao cair da noite



Quando a noite vem caindo sobre a vida
E de sombras vestindo o pensamento,
Quimeras e volúpias vão morrendo
Em altar de carcaça ressequida.

Qual navio em manobras de partida,
Rumando ao mar em débil movimento,
Minha alma voa, presa ao firmamento,
Seguindo a juventude além perdida.

Corridas, revoadas sem destino
À procura do sonho e do enlevo,
Neste canto de cisne vespertino,

São lampejos da vida em desespero
Na pira dum amor em desatino,
Mirrando entre as cinzas do desterro.



Renato Macedo (Poeta português)

Renato Macedo - O teu nome, Mulher



Leio o teu nome
Nas pedras do tempo,
Nas folhas do vento,
Nas ondas do mar.

Ouço o teu nome
Na voz das crianças,
Sorrindo, chorando,
Por um terno olhar.

Sinto o teu nome
Volvendo ao regaço,
Ao materno abraço
Da vida a nascer.

Escrevo o teu nome
Nas pedras do tempo,
Nas folhas do vento,
Nas ondas do mar,
C’o as luzes do céu,
As flores do campo,
A música das fontes,
A alma a sonhar.

Bendigo o teu nome
Brilhando nos céus,
Juntinho do sol,
Pertinho de Deus.

Canto o teu nome
Em trovas de amor,
Na gávea, à bolina,
À noite, ao luar.



Renato Macedo (Poeta português)

Renato Macedo - Que nasçam mulheres todos os dias



Foto: João Espinho



Que nasçam
Às dúzias,
Às grosas,
Aos milheiros.
Negras e brancas,
Amarelas,
Encarnadas,
Loiras e morenas,
Gordas e magras,
Estampas e camafeus,
Mas que nasçam
Pequeninas,
Com um coração
Imenso
De mulher.


Que nasçam
Todos os dias,
À todas as horas,
Em todos os momentos,
Em todos os lugares:
Nos campos e nas cidades,
Nos casebres e nos palácios,
Nas tabancas e favelas,
Nos bairros e avenidas,
Nos guettos,
Na confusão das ruas,
No remanso do lar,
Nas courelas e nas fábricas...
Intrépidas,
Revolucionárias,
Na vanguarda do combate
Por um mundo melhor.


Que nasçam
Em cada corte,
Em cada castro,
Em cada sé,
Em cada paço,
Nesta decrépita androcracia
De duques e generais,
Antístites e outros que tais,
De sheikes e talibans
De chulos e de padrinhos,
De chefões e ditadores
Sem credo e sem alma,
Voando quais abutres
Sobre Aushwitz e Hiroshima,
Timor, Bósnia e Palestina,
Pérfidos, conspirando
Entre o vidro e o betão...
Dos escritórios,
Dos laboratórios...
Que nasçam
Despertas,
Vigorosas,
De espada na mão
E balança no coração.


Que nasçam
Cidadãs,
Nas presidências e ministérios,
Nas gerências dos impérios
Nos quartéis e tribunais,
Nos laboratórios e hospitais
Garbosas,
Impolutas,
Sapientes,
Senhoris,
Soberanas,
Intransigentes,
Paladinas
Da dignidade humana.


Que nasçam todos os dias
No coração de cada homem
E os ajudem a ver
O outro lado das coisas,
A entender
O outro lado das situações,
A pensar
O outro lado das questões,
A sentir
O outro lado dos problemas,
A intervir
No outro lado do seu limitado universo,
A agir
Do outro lado da violência,
E, com amor,
Coragem,
Inteligência,
Reconstruam a democracia
Da igualdade,
Da justiça e da verdade,
Da liberdade e da paz.


Que nasçam todos os dias
No estro dos poetas,
Na sensibilidade dos artistas,
Para que se imortalize a beleza
Que se desprende
Da alma e das linhas
Prodigiosamente traçadas
Pelos afectos e a arte do Criador.



Renato Macedo (Poeta Português)

domingo, abril 08, 2007

Palavras Recebidas # 4



Renato Macedo - Estrela Polar



Lá no céu há uma estrela que nos guia
Pela estrada da vida docemente,
Afagando o caminho quando a gente
Pousa os pés ao trilhar de cada dia.

Cá na terra há uma sombra fugidia
Que nos seduz, seguindo à nossa frente,
Nos persegue à esteira do poente
E se alonga ante o sol em agonia.

Quando a noite dolente vem caindo,
Novas sombras deixando à nossa frente,
Aparece uma estrela que, fulgindo

No âmago da alma de quem sente,
Com amor vai as trevas diluindo
Até que o sol sorria novamente.



Renato Macedo