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sexta-feira, julho 04, 2008

Octávio Paz - Rendição



Depois de ter cortado todos os braços que se estendiam para mim; depois de ter entaipado todas as janelas e todas as portas; depois de ter inundado os fossos com água envenenada; depois de ter edificado minha casa num rochedo inacessível aos afagos e ao medo; depois de ter lançado punhados de silêncio e monossílabos de desprezo a meus amores; depois de ter esquecido meu nome e o nome da minha terra natal; depois de me ter condenado a perpétua espera e a solidão perpétua, ouvi contra as pedras de meu calabouço de silogismos a investida húmida, terna, insistente, da Primavera.



Octavio Paz (Poeta Mexicano, 1914-1998)

domingo, outubro 28, 2007

João Mendonça - Garça Perdida



Foto: Nana Sousa Dias


Anoiteceu
no meu olhar de feiticeira,
de estrela do mar, de céu, de lua cheia,
de garça perdida na areia.
Anoiteceu no meu olhar,
perdi as penas, não posso voar,
deixei filhos e ninhos,
cuidados, carinhos, no mar...
Só sei voar dentro de mim
neste sonho de abraçar
o céu sem fim, o mar, a terra inteira!
E trago o mar dentro de mim,
com o céu vivo a sonhar e vou sonhar até ao fim,
até não mais acordar...
Então, voltarei a cruzar este céu e este mar,
voarei, voarei sem parar á volta da terra inteira!
Ninhos faria de lua cheia e depois,
dormiria na areia...



João Mendonça (Poeta Português)


Cantado por Dulce Pontes

domingo, outubro 21, 2007

Xanana Gusmão - Oh! Liberdade!



Foto: Autor desconhecido




Se eu pudesse
pelas frias manhãs
acordar tiritando
fustigado pela ventania
que me abre a cortina do céu
e ver, do cimo dos meus montes,
o quadro roxo
de um perturbado nascer do sol
a leste de Timor

Se eu pudesse
pelos tórridos sóis
cavalgar embevecido
de encontro a mim mesmo
nas serenas planícies do capim
e sentir o cheiro de animais
bebendo das nascentes
que murmurariam no ar
lendas de Timor

Se eu pudesse
pelas tardes de calma
sentir o cansaço
da natureza sensual
espreguiçando-se no seu suor
e ouvir contar as canseiras
sob os risos
das crianças nuas e descalças
de todo o Timor

Se eu pudesse
ao entardecer das ondas
caminhar pela areia
entregue a mim mesmo
no enlevo molhado da brisa
e tocar a imensidão do mar
num sopro da alma
que permita meditar o futuro
da ilha de Timor

Se eu pudesse
ao cantar dos grilos
falar para a lua
pelas janelas da noite
e contar-lhe romances do povo
a união inviolável dos corpos
para criar filhos
e ensinar-lhes a crescer e a amar
a Pátria Timor!




Xanana Gusmão (Líder da resistência Maubere, Político e poeta timorense, 1946- )

Biografia de Xanana Gusmão

Crisódio T. Araújo - Reflexos de Timor



Timorese return to the burnt out remains of their homes only to find rogue elements with the departing Indonesian Military burning nearby buildings. East Timor September 1999.
Foto: David Dare Parker



Reflexos da terra há muito deixada
Por tantos e tantos chorada...
Reflexos de um mar sedento de Paz
Corado do sangue de todo o que jaz...
Reflexos de um grito do Monte
Cansado de tanto sofrer...

Reflexos, Reflexos de Timor...

Reflexos de quem clama a Justiça
De um Mundo sem Lei nem Amor!
Reflexos de um Povo que grita
Liberdade, Liberdade, Viva Timor!




Crisódio T. Araújo (Poeta Timorense)

Teresia Teaiwa - Para Salomé



“Un viaje de 1000 millas comienza bajo nuestros pies”:
En la tierra. Madre Tierra/Padre cielo.


Dicen en ciertas partes del Pacífico que
Los hombres tienen alas
Mientras
Las mujeres sólo tienen pies.

Algunos, en otras partes del pacífico, dicen
Que mientras las mujeres pertenecen a la tierra
Los hombres pertenecen al mar.

¿Has visto y escuchado alguna vez
A una mujer de pie en la playa
Lamentarse al cielo y al mar?
Si lo has hecho has sentido entonces
La paz del dolor y el dolor de la paz.




Teresia Teaiwa (Poetisa do Kiribati

Tradução de Carlos Bedoya

Biografia de Teresia Teaiwa

Lisa Bellear - To no one: And Mary did time



Dear someone
out there who
may or may not
give a damn

‘I’m not a liar
I’m not a thief’

But you don’t give
a damn, don’t
wanna get close,
worried it might
rub off, typical
welfare come
social worker wanna
beeze’s

To whomever might
give me a passing
accidental glance,
to whomever might
have the guts to stop
and say hello

I didn’t mean to
kill my baby daught
I wasn’t right
I was sick

Dear anyone to anyone
who just might care
I didn’t know
I just didn’t know
I’m still not
sure




For Clinton Nain’s exhibition, Syndey, 2003)

Lisa Bellear (Poetisa Australiana, 1961- )

Biografia de Lisa Bellear

domingo, setembro 23, 2007

Leo Zelada - Percival



“O que ama, obedece"
Chrétien de Troyes
siglo XII



sou o cavaleiro negro andante
que caminha silencioso entre as sombras
e desaparece taciturno sobre a névoa
aquele que luta por absurdas e ilusórias cruzadas
e só encontra o amargo olhar do exílio
não obstante é o que ao sopé de uma solitária torre
espera sua donzela — ordem das rosas —
na vasta imensidão da noite




Leo Zelada (Poeta Peruano, 1970- )

Tradução Sílvio Persivo.

Biografia de Leo Zelada




Percival




«el que ama, obedece»

Chrétien de Troyes
siglo XII

soy el oscuro caballero andante
que camina silencioso entre las sombras
y se desvanece taciturno sobre la niebla
aquel que lucha por absurdas ilusas cruzadas
y sólo encuentra la mirada amarga del exilio
no obstante el que al pie de una solitaria torre
espera a su doncella -orden de las rosas-
en la vasta inmensidad de la noche



Leo Zelada (Poeta Peruano, 1970- )

domingo, setembro 02, 2007

Mark Strand - Giving Myself Up




Foto: (Re)born, de Graça



I give up my eyes which are glass eggs.
I give up my tongue.
I give up my mouth which is the contstant dream of my tongue.
I give up my throat which is the sleeve of my voice.
I give up my heart which is a burning apple.
I give up my lungs which are trees that have never seen the moon.
I give up my smell which is that of a stone traveling through rain.
I give up my hands which are ten wishes.
I give up my arms which have wanted to leave me anyway.
I give up my legs which are lovers only at night.
I give up my buttocks which are the moons of childhood.
I give up my penis which whispers encouragement to my thighs.
I give up my clothes which are walls that blow in the wind
and I give up the ghost that lives in them.
I give up. I give up.
And you will have none of it because already I am beginning
again without anything.




Mark Strand (Poeta Canadiano, 1934- )

Biografia de Mark Strand

domingo, agosto 26, 2007

Sylvia Plath - Palavras






Golpes,
De machado na madeira,
E os ecos!
Ecos que partem
A galope.
A seiva
Jorra como pranto, como
Água lutando
Para repor seu espelho
sobre a rocha
Que cai e rola,
Crânio branco
Comido pelas ervas.
Anos depois, na estrada,
Encontro
Essas palavras secas e sem rédeas,
Bater de cascos incansável.
Enquanto
Do fundo do poço, estrelas fixas
Decidem uma vida.



Sylvia Plath (Poetisa Norte-Americana, 1932-1963)

traduzido por Ana Cristina Cesar
(in Escritos da Inglaterra, Ed. Brasiliense, Brasil, 1988, p. 173)


Words



Axes
After whose stroke the wood rings,
And the echoes!
Echoes travelling
Off from the center like horses.
The sap
Wells like tears, like the
Water striving
To re-estabilish its mirror
Over the rock
That drops and turns,
A white skull,
Eaten by weedy greens
Years later I
Encounter them on the road —
Words dry and riderless,
The indefatigable hoof-taps.
While
From the bottom of the pool, fixed stars
Govern a life.



Biografia de Sylvia Plath

domingo, agosto 12, 2007

Tarek Eltayeb - The Broken Shadow



I walked upright
until I approached
the walls
of the sleeping houses,
my shadow upright
next to me.
All of a sudden, it broke
on one of the walls.

And it remained broken,
even
when I had retraced my steps
from the walls.
Frightened and careful
I looked around.
Yet, my shadow remained broken
though the path did run straight now.




Tarek Eltayeb (Poeta Sudanês, 1959- )

Biografia de Tarek Eltayeb

Kristina Rungano - The Woman



Foto: Bart



A minute ago I came from the well
Where young women drew water like myself
My body was weary and my heart tired.
For a moment I watched the stream that rushed before me;
And thought how fresh the smell of flowers,
How young the grass around it.
And yet again I heard the sound of duty
Which ground on me – made me feel aged
As I bore the great big mud container on my head
Like a big painful umbrella.
Then I got home and cooked your meal
For you had been out drinking the pleasures of the flesh
While I toiled in the fields.
Under the angry vigilance of the sun
A labour shared only by the bearings of my womb.
I washed the dishes; yours
And we swept the room we shared
Before I set forth to prepare your bedding
In the finest corner of the hut
Which was bathed by the sweet smell of dung
I had this morning applied to the floors
Then you came in,
In your drunken lust
And you made your demands
When I explained how I was tired
And how I feared for the child – yours – I carried
You beat me and had your way
At that moment
You left me unhappy and bitter
And I hated you
Yet tomorrow I shall again wake up to you
Milk the cow, plough the land and cook your food,
You shall again be my Lord
For isn’t it right that woman should obey,
Love, serve and honour her man?
For are you not the fruit of the land?




Kristina Rungano (Poetisa do Zimbabwe, 1963- )

Biografia de Kristina Rungano


domingo, julho 08, 2007

Antero de Quental - Oceano Nox



Foto: Mar em dia de tempestade biscoitos, Ilha da Terceira, de Ideias e Ideias



Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vôo do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente…

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais…



Antero de Quental (Poeta português. Ponta Delgada, 1842-1891)

Antero de Quental - Despondency



Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…

Deixá-la ir a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul se levantaram…

Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa…

Deixá-la ir, a nota desprendida
Dum canto extremo… e a última esperança…
E a vida… e o amor… deixá-la ir, a vida!



Antero de Quental (Poeta português. Ponta Delgada, 1842-1891)

Antero de Quental - Divina Comédia



Imagem: Paramours and flatterers, retirada da net.



Erguendo os braços para o Céu distante
E apostrofando os deuses invisíveis,
Os homens clamam: - «Deuses impassíveis,
A quem serve o destino triunfante,

Porque é que nos criastes?! Incessante
Corre o tempo e só gera, inextinguíveis,
Dor, pecado, ilusão, lutas horríveis,
Num turbilhão cruel e delirante...

Pois não era melhor na paz clemente
Do nada e do que ainda não existe,
Ter ficado a dormir eternamente?

Porque é que para a dor nos evocastes?»
Mas os deuses, com voz inda mais triste,
Dizem: - «Homens! porque é que nos criastes?!»




Antero de Quental (Poeta português. Ponta Delgada, 1842—1891)

Antero de Quental - Palavras dum Certo Morto



Há mil anos, e mais, que aqui estou morto,
Posto sobre um rochedo à chuva e ao vento:
Não há como eu espectro macilento,
Nem mais disforme que eu nenhum aborto…

Só o espírito vive: vela absorto
Num fixo, inexorável pensamento:
«Morto, enterrado em vida!» o meu tormento
É isto só… do resto não me importo…

Que vivi sei-o eu bem… mas foi um dia,
Um dia só – no outro, a Idolatria
Deu-me um altar e um culto… ai! adoraram-me,

Como se eu fosse alguém! como se a Vida
Pudesse ser alguém!– logo em seguida
Disseram que era um Deus… e amortalharam-me!



Antero de Quental (Poeta português. Ponta Delgada, 1842-1891)

domingo, junho 03, 2007

José Régio - Fado Português



Foto: Crying bombs, de Arnold Pouteau



O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai, que lindeza tamanha,
meu chão, meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.

Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.



José Régio (Poeta português, 1901-1969)

Pedro Homem de Melo - Povo que lavas no rio



Foto: As marcas do Tempo, de Fernando Quintino Estevão



Povo que lavas no rio
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão
Há-de haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tu vida não

Fui ter á mesa redonda
Beber em malga que esconda
Um beijo de mão em mão
Era o vinho que me deste
Água pura, fruto agreste
Mas a tua vida não

Aromas de urze e de lama
Dormi com eles na cama
Tive a mesma condição
Povo, povo eu te pertenço
Deste-me alturas de incenso
Mas a tua vida não



Pedro Homem de Melo (Poeta português, 1904-1984)

Amália Rodrigues - Lágrima



Foto: Inside, de Magda Marczewska




Cheia de penas
Cheia de penas me deito
E com mais penas
Com mais penas me levanto
No meu peito
Já me ficou no meu peito
Este jeito
O jeito de querer tanto

Desespero
Tenho por meu desespero
Dentro de mim
Dentro de mim o castigo
Eu não te quero
Eu digo que não te quero
E de noite
De noite sonho contigo

Se considero
Que um dia hei-de morrer
No desespero
Que tenho de te não ver
Estendo o meu xaile
Estendo o meu xaile no chão
Estando o meu xaile
E deixo-me adormecer

Se eu soubesse
Se eu soubesse que morrendo
Tu me havias
Tu me havias de chorar
Por uma lágrima
Por uma lágrima tua
Que alegria
Me deixaria matar
Por uma lágrima
Por uma lágrima tua
Que alegria
Me deixaria matar




Amália Rodrigues (Fadista e poetisa portuguesa, 1920-1999)

Cecília Meireles - Naufrágio



Foto: Monica Antonelli



Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.



Cecília Meireles (Poetisa brasileira, 1901-1964)

Luís Vaz de Camões - Com que voz



Com que voz chorarei meu triste fado,
que em tão dura paixão me sepultou.
Que mor não seja a dor que me deixou
o tempo, de meu bem desenganado.

Mas chorar não estima neste estado
aonde suspirar nunca aproveitou.
Triste quero viver, pois se mudou
em tristeza a alegria do passado.

Assim a vida passo descontente,
ao som nesta prisão do grilhão duro
que lastima ao pé que a sofre e sente.

De tanto mal, a causa é amor puro,
devido a quem de mim tenho ausente,
por quem a vida e bens dele aventuro.



Luís de Camões (Poeta português, 1524 ou 1525 - 1579 ou 1580)