domingo, abril 22, 2007

Renato Macedo - Que nasçam mulheres todos os dias



Foto: João Espinho



Que nasçam
Às dúzias,
Às grosas,
Aos milheiros.
Negras e brancas,
Amarelas,
Encarnadas,
Loiras e morenas,
Gordas e magras,
Estampas e camafeus,
Mas que nasçam
Pequeninas,
Com um coração
Imenso
De mulher.


Que nasçam
Todos os dias,
À todas as horas,
Em todos os momentos,
Em todos os lugares:
Nos campos e nas cidades,
Nos casebres e nos palácios,
Nas tabancas e favelas,
Nos bairros e avenidas,
Nos guettos,
Na confusão das ruas,
No remanso do lar,
Nas courelas e nas fábricas...
Intrépidas,
Revolucionárias,
Na vanguarda do combate
Por um mundo melhor.


Que nasçam
Em cada corte,
Em cada castro,
Em cada sé,
Em cada paço,
Nesta decrépita androcracia
De duques e generais,
Antístites e outros que tais,
De sheikes e talibans
De chulos e de padrinhos,
De chefões e ditadores
Sem credo e sem alma,
Voando quais abutres
Sobre Aushwitz e Hiroshima,
Timor, Bósnia e Palestina,
Pérfidos, conspirando
Entre o vidro e o betão...
Dos escritórios,
Dos laboratórios...
Que nasçam
Despertas,
Vigorosas,
De espada na mão
E balança no coração.


Que nasçam
Cidadãs,
Nas presidências e ministérios,
Nas gerências dos impérios
Nos quartéis e tribunais,
Nos laboratórios e hospitais
Garbosas,
Impolutas,
Sapientes,
Senhoris,
Soberanas,
Intransigentes,
Paladinas
Da dignidade humana.


Que nasçam todos os dias
No coração de cada homem
E os ajudem a ver
O outro lado das coisas,
A entender
O outro lado das situações,
A pensar
O outro lado das questões,
A sentir
O outro lado dos problemas,
A intervir
No outro lado do seu limitado universo,
A agir
Do outro lado da violência,
E, com amor,
Coragem,
Inteligência,
Reconstruam a democracia
Da igualdade,
Da justiça e da verdade,
Da liberdade e da paz.


Que nasçam todos os dias
No estro dos poetas,
Na sensibilidade dos artistas,
Para que se imortalize a beleza
Que se desprende
Da alma e das linhas
Prodigiosamente traçadas
Pelos afectos e a arte do Criador.



Renato Macedo (Poeta Português)

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