domingo, agosto 05, 2007

Henrique Abranches - Bater da Chuva



A porta fechada é uma obsessão.
As vozes caladas em torno de nós,
as pausas alongadas em silêncios de uma angústia
nova,
são a descontinuidade do tempo interrompido
dentro da casa que arrombaram ontem,
no coração da aldeia do Mazozo.
A chuva cai em bátegas doces, a chuva bate o capim
molhado,
e soa...
A humanidade é fria.

As mulheres já choraram tudo
Mãe Gonga comandou o coro.
Esvaem-se agora em surdina muda,
que agudiza o bater da chuva.
Os homens dizem de quando em quando
um nome obstinado.

Chamava-se Infeliz
aquele rapaz
que levaram ontem
do coração da aldeia.

A chuva matraqueia ainda e sempre
na porta fechada como uma obsessão.
Como ela nos lembra o som odiado
que dia após dia
nos sobressalta!
Como ela recorda o som da metralha,
que dia após dia
desce o morro da Calomboloca
e bate naquela porta fechada,
obcecada de protecção!

A gente conhece o som da metralha
quando ela vem no fim do dia.
Quando ela vem, silencia a aldeia,
então, em sobressalto, o povo diz:
- Foram fuzilados...

E ninguém sabe do Infeliz,
aquele rapaz que levaram ontem...




Henrique Abranches (Poeta Angolano)

2 comentários:

Anónimo disse...

Amiga Susana estive a ler a poesia no teu blog e gostei muito os meus parabéns. Após alguns meses de interregno estou de volta.
Frnacisco Setoca

Susana B. disse...

Olá Setoca.
É bom ver-te por aqui. Obrigado pela visita e pelo elogio.

Como vai a vida? Espero que o regresso seja bom. No próximo mês vou marcar um jantar com o pessoal. Já não nos vemos há muito tempo. espero que vás. Até lá, um abraço.

Susana B.