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domingo, outubro 28, 2007

João Mendonça - Amália por amor



Foto: Amália, Autor Desconhecido.



Tens no olhar
Na alma e na voz
O verdadeiro fado
Que há em nós

E preso ás cordas da guitarra
Viveu o teu coração
Sem saber a razão
Cantas o mar
A terra e o céu
Com o coração na voz
Que Deus te deu

Sete colinas e varinas
E mil pregões pelo ar
O povo a rezar
Uma voz a cantar
Saudade, teu nome quiseste dar
À mulher que foi
Amália por amar

E a cantar
Tu dás tanto amor
Que morres para matar
A nossa dor

E há sardinheiras nas janelas
E procissões a passar
O povo a rezar

Tens no olhar
Na alma e na voz
O lusitano fado que há em nós
E há sardinheiras nas janelas
E procissões a passar
Uma voz a cantar

Uma voz a cantar
Saudade, teu nome quiseste dar
À mulher que foi
Amália por amar.



João Mendonça (Poeta Português)


Cantado por Dulce Pontes

domingo, junho 03, 2007

José Régio - Fado Português



Foto: Crying bombs, de Arnold Pouteau



O Fado nasceu um dia,
quando o vento mal bulia
e o céu o mar prolongava,
na amurada dum veleiro,
no peito dum marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.

Ai, que lindeza tamanha,
meu chão, meu monte, meu vale,
de folhas, flores, frutas de oiro,
vê se vês terras de Espanha,
areias de Portugal,
olhar ceguinho de choro.

Na boca dum marinheiro
do frágil barco veleiro,
morrendo a canção magoada,
diz o pungir dos desejos
do lábio a queimar de beijos
que beija o ar, e mais nada,
que beija o ar, e mais nada.

Mãe, adeus. Adeus, Maria.
Guarda bem no teu sentido
que aqui te faço uma jura:
que ou te levo à sacristia,
ou foi Deus que foi servido
dar-me no mar sepultura.

Ora eis que embora outro dia,
quando o vento nem bulia
e o céu o mar prolongava,
à proa de outro veleiro
velava outro marinheiro
que, estando triste, cantava,
que, estando triste, cantava.



José Régio (Poeta português, 1901-1969)

Silva Tavares - Fado de cada um



Bem pensado
Todos temos nosso fado
E quem nasce mal fadado melhor fado não terá
Fado é sorte
E do berço até à morte
Ninguém foge por mais forte
Ao destino que Deus dá

No meu fado amargurado
A sina minha bem clara se revelou,
Pois cantando seja quem for adivinha na minha voz soluçando
que eu finjo ser quem não sou

Bem pensado
Todos temos nosso fado
E quem nasce mal fadado melhor fado não terá
Fado é sorte
E do berço até à morte
Ninguém foge por mais forte
Ao destino que Deus dá

Bom seria poder um dia trocar-te o fado
por outro fado qualquer
Mas agente já traz o fado marcado
E nenhum mais inclemente do que este de ser mulher

Bem pensado
Todos temos nosso fado
E quem nasce mal fadado melhor fado não terá
Fado é sorte
E do berço até à morte
Ninguém foge por mais forte
Ao destino que Deus dá



Silva Tavares (Poeta português)

Pedro Homem de Melo - Povo que lavas no rio



Foto: As marcas do Tempo, de Fernando Quintino Estevão



Povo que lavas no rio
Que talhas com teu machado
As tábuas do meu caixão
Há-de haver quem te defenda
Quem compre o teu chão sagrado
Mas a tu vida não

Fui ter á mesa redonda
Beber em malga que esconda
Um beijo de mão em mão
Era o vinho que me deste
Água pura, fruto agreste
Mas a tua vida não

Aromas de urze e de lama
Dormi com eles na cama
Tive a mesma condição
Povo, povo eu te pertenço
Deste-me alturas de incenso
Mas a tua vida não



Pedro Homem de Melo (Poeta português, 1904-1984)

Amália Rodrigues - Lágrima



Foto: Inside, de Magda Marczewska




Cheia de penas
Cheia de penas me deito
E com mais penas
Com mais penas me levanto
No meu peito
Já me ficou no meu peito
Este jeito
O jeito de querer tanto

Desespero
Tenho por meu desespero
Dentro de mim
Dentro de mim o castigo
Eu não te quero
Eu digo que não te quero
E de noite
De noite sonho contigo

Se considero
Que um dia hei-de morrer
No desespero
Que tenho de te não ver
Estendo o meu xaile
Estendo o meu xaile no chão
Estando o meu xaile
E deixo-me adormecer

Se eu soubesse
Se eu soubesse que morrendo
Tu me havias
Tu me havias de chorar
Por uma lágrima
Por uma lágrima tua
Que alegria
Me deixaria matar
Por uma lágrima
Por uma lágrima tua
Que alegria
Me deixaria matar




Amália Rodrigues (Fadista e poetisa portuguesa, 1920-1999)

Amadeu do Vale - Fado da Sina



Foto: Future, de JMQuin


Reza-te a sina
Nas linhas traçadas
Na palma da mão
Que duas vidas

Se encontram cruzadas
No teu coração...
Sinal de amargura
De dor e tortura

De esperança perdida
Indício marcado
Amor destroçado
Na linha da vida

E mais te reza
No linha do amor
Que tens de sofrer
O desencanto
Do leve frescor
Duma outra mulher
Já que a má sorte assim quis
A tua sina te diz
Que até morrer
Terás de ser
Sempre Infeliz!...

Não podes fugir
Ao negro fado brutal
Ao teu destino fatal
Que uma má estrela domina

Tu podes mentir
As leis do teu coração
Mas ai, quer queiras
Quer não
Tens de cumprir a tua sina!...

Cruzando a estrada
Da linha da vida
Traçada na mão
Tens uma cruz
A afeição mal contida
Que foi umo ilusão...
Amor que em segredo
Nasceu quase a medo
P"ra teu sofrimento
E foi essa imagem
A grata miragem
Do teu pensamento
E mais te reza
O negro destino
Que tens de amargar
A tua estrela
De brilho divino
Deixou de brilhar
Estrela que Deus te marcou
E que bem pouco brilhou
E cuja luz
Aos pés da cruz
Já se apagou!...




Amadeu do Vale (Poeta português)

Vasco de Lima Couto - Disse-te Adeus e morri



Disse-te adeus e morri
E o cais vazio de ti
Aceitou novas marés.
Gritos de búzios perdidos
Roubaram dos meus sentidos
A gaivota que tu és.

Gaivota de asas paradas
Que não sente as madrugadas
E acorda à noite a chorar.
Gaivota que faz o ninho
Porque perdeu o caminho
Onde aprendeu a sonhar.

Preso no ventre do mar
O meu triste respirar
Sofre a invenção das horas,
Pois na ausência que deixaste,
Meu amor, como ficaste,
Meu amor, como demoras.



Vasco de Lima Couto (Poeta português)

Pedro Homem de Melo - Havemos de ir a Viana




Entre sombras misteriosas
em rompendo ao longe estrelas
trocaremos nossas rosas
para depois esquecê-las.

Se o meu sangue não me engana
como engana a fantasia
havemos de ir a Viana
ó meu amor de algum dia
ó meu amor de algum dia
havemos de ir a Viana
se o meu sangue não me engana
havemos de ir a Viana.

Partamos de flor ao peito
que o amor é como o vento
quem pára perde-lhe o jeito
e morre a todo o momento.
Se o meu sangue não me engana
como engana a fantasia
havemos de ir a Viana
ó meu amor de algum dia
ó meu amor de algum dia
havemos de ir a Viana
se o meu sangue não me engana
havemos de ir a Viana.

Ciganos, verdes ciganos
deixai-me com esta crença
os pecados têm vinte anos
os remorsos têm oitenta.



Pedro Homem de Melo (Poeta português, 1904-1984)

Cecília Meireles - Naufrágio



Foto: Monica Antonelli



Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas.

O vento vem vindo de longe,
a noite se curva de frio;
debaixo da água vai morrendo
meu sonho, dentro de um navio...

Chorarei quanto for preciso,
para fazer com que o mar cresça,
e o meu navio chegue ao fundo
e o meu sonho desapareça.

Depois, tudo estará perfeito;
praia lisa, águas ordenadas,
meus olhos secos como pedras
e as minhas duas mãos quebradas.



Cecília Meireles (Poetisa brasileira, 1901-1964)

Luís Vaz de Camões - Com que voz



Com que voz chorarei meu triste fado,
que em tão dura paixão me sepultou.
Que mor não seja a dor que me deixou
o tempo, de meu bem desenganado.

Mas chorar não estima neste estado
aonde suspirar nunca aproveitou.
Triste quero viver, pois se mudou
em tristeza a alegria do passado.

Assim a vida passo descontente,
ao som nesta prisão do grilhão duro
que lastima ao pé que a sofre e sente.

De tanto mal, a causa é amor puro,
devido a quem de mim tenho ausente,
por quem a vida e bens dele aventuro.



Luís de Camões (Poeta português, 1524 ou 1525 - 1579 ou 1580)

Bernardim Ribeiro - O Malaventurado



Foto: Paradise lost, de Piotr Kowalik



Mudei terra, mudei vida
Mudei paixão em paixão
Vi a alma de mim partida,
Nunca de meu coração
Vi minha dor despedida.

E eu, mal aventurado
Morro-me, andando assim
Entre cuidado e cuidado.

Ante tamanhas mudanças
De um cabo minha suspeita,
E de outro desconfiança
Deixam-se em grande estreita
E levam-se as esperanças.

E eu mal aventurado
Morro-me, andando assim
Entre cuidado e cuidado.

Eu morrera e acabara
E meu mal fora acabado
Não vira tal perdição
De mim e de tanta coisa
Perdido tudo em vão:
Porque a paixão não repousa
Em outra maior paixão.

Oh! quem bem aventurado
Fora já se me matara
Minha dor ou meu cuidado.



Bernardim Ribeiro (Poeta português, 1482? — 1552?)

domingo, agosto 20, 2006

Amália Rodrigues - Estranha Forma de Vida



Estranha forma de vida
 
Foi por vontade de Deus
que eu vivo nesta ansiedade.
Que todos os ais são meus,
Que é toda a minha saudade.
Foi por vontade de Deus.
 
Que estranha forma de vida
tem este meu coração:
vive de forma perdida;
Quem lhe daria o condão?
Que estranha forma de vida.
 
Coração independente,
coração que não comando:
vive perdido entre a gente,
teimosamente sangrando,
coração independente.
 
Eu não te acompanho mais:
pára, deixa de bater.
Se não sabes onde vais,
porque teimas em correr,
eu não te acompanho mais.
 
Amália Rodrigues (Fadista e poetisa portuguesa, 1920-1999)


Foto: a piece of my heart by six degrees