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domingo, setembro 23, 2007

Chico Buarque - Construção



Foto: Na corda bamba, de João Santiago



Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contramão atrapalhando o sábado




Chico Buarque (Poeta, compositor, cantor brasileiro, 1944- )

Biografia de Chico Buarque

domingo, maio 20, 2007

Chico Buarque - De todas as maneiras



De todas as maneiras
Que há de amar
Nós já nos amámos
Com todas as palavras feitas pra sangrar
Já nos cortámos
Agora já passa da hora
Tá lindo lá fora
Larga a minha mão
Solta as unhas do meu coração
Que ele está apressado
E desanda a bater desvairado
Quando entra o verão

De todas as maneiras que há de amar
Já nos machucámos
Com todas as palavras feitas pra humilhar
Nos afagámos
Agora já passa da hora
Tá lindo lá fora
Larga a minha mão
Solta as unhas do meu coração
Que ele está apressado
E desanda a bater desvairado
Quando entra o verão



Chico Buarque (Poeta, compositor, cantor brasileiro, 1944- )

Chico Buarque - Valsinha



Foto :autor desconhecido



Um dia ele chegou tão diferente do seu jeito de sempre chegar
Olhou-a de um jeito muito mais quente do que sempre costumava olhar
E não mal disse a vida tanto quanto seu jeito de sempre falar
E não deixou-a só num canto, pra seu grande espanto convidou-a pra rodar

Então ela se fez bonita como a muito tempo nào queria ousar
Com seu vestido decotado cheirando a guardado de tando esperar
Depois os dois deram-se os braços como há muito tempo não se usava dar
E cheios de ternura e graça foram para praça e começaram a se abraçar

E ali dançaram tanta dança que a vizinhança toda despertou
E foi tanta felicidade que toda a cidade se iluminou
E foram tantos beijos loucos, tantos gritos roucos como não se ouviam mais
Que o mundo compreendeu
E o dia amanheceu
Em paz



Chico Buarque (Poeta, compositor, cantor brasileiro, 1944- )

Chico Buarque - Mar e Lua



Amaram o amor urgente
As bocas salgadas pela maresia
As costas lanhadas pela tempestade
Naquela cidade
Distante do mar
Amaram o amor serenado
Das noturnas praias
Levantavam as saias
E se enluaravam de felicidade
Naquela cidade
Que não tem luar
Amavam o amor proibido
Pois hoje é sabido
Todo mundo conta
Que uma andava tonta
Grávida de lua
E outra andava nua
Ávida de mar

E foram ficando marcadas
Ouvindo risadas, sentindo arrepios
Olhando pro rio tão cheio de lua
E que continua
Correndo pro mar
E foram correnteza abaixo
Rolando no leito
Engolindo água
Boiando com as algas
Arrastando folhas
Carregando flores
E a se desmanchar
E foram virando peixes
Virando conchas
Virando seixos
Virando areia
Prateada areia
Com lua cheia
E à beira-mar



Chico Buarque (Poeta, compositor, cantor brasileiro, 1944- )

Chico Buarque - Amando sobre os jornais



Foto: Anna Edyta Przybysz



Amando noite afora
Fazendo a cama sobre os jornais
Um pouco jogados fora
Um pouco sábios demais
Esparramados no mundo
Molhamos o mundo com delícias
As nossas peles retintas
De notícias

Amando noites a fio
Tramando coisas sobre os jornais
Fazendo entornar um rio
E arder os canaviais
Das páginas flageladas
Sorrimos mãos dadas e, inocentes
Lavamos os nossos sexos
Nas enchentes

Amando noites a fundo
Tendo jornais como cobertor
Podendo abalar
o mundo
No embalo do nosso amor
No ardor de tantos abraços
Caíram palácios
Ruiu um império
Os nosso olhos vidrados
De mistério



Chico Buarque (Poeta, compositor, cantor brasileiro, 1944- )

Chico Buarque - Tanto amar



Foto: Good mood, de Paulo César



Amo tanto e de tanto amar
Acho que ela é bonita
Tem um olho sempre a boiar
E outro que agita

Tem um olho que não está
Meus olhares evita
E outro olho a me arregalar
Sua pepita

A metade do seu olhar
Está chamando pra luta, aflita
E metade quer madrugar
Na bodeguita

Se seus olhos eu for cantar
Um seu olho me atura
E outro olho vai desmanchar
Toda a pintura

Ela pode rodopiar
E mudar de figura
A paloma do seu mirar
Virar miúra

É na soma do seu olhar
Que eu vou me conhecer inteiro
Se nasci pra enfrentar o mar
Ou faroleiro

Amo tanto e de tanto amar
Acho que ela acredita
Tem um olho a pestanejar
E outro me fita

Suas pernas vão me enroscar
Num balé esquisito
Seus dois olhos vão se encontrar
No infinito

Amo tanto e de tanto amar
Em Manágua temos um chico
Já pensamos em nos casar
Em Porto Rico



Chico Buarque (Poeta, compositor, cantor brasileiro, 1944- )

Chico Buarque e Milton Nascimento - O que será?



O que será que me dá que me bole por dentro
Será que me dá
Que brota a flor da pele será que me dá
E que me sobe as faces e me faz corar
E que me salta aos olhos a me atraiçoar
E que me aperta o peito e me faz confessar
O que não tem mais jeito de dissimular
E que nem é direito ninguém recusar
E que me faz mendigo me faz implorar
O que não tem medida nem nunca terá
O que não tem remédio nem nunca terá
O que não tem receita

O que será que será
Que dá dentro da gente que não devia
Que desacata a gente que é revelia
Que é feito aguardente que não sacia
Que é feito estar doente de uma folia
Que nem dez mandamentos vão conciliar
Nem todos os unguentos vão aliviar
Nem todos os quebrantos toda alquimia
Que nem todos os santos será que será
O que não tem descanso nem nunca terá
O que não tem cansaço nem nunca terá
O que não tem limite

O que será que me dá
Que me queima por dentro será que me dá
Que me perturba o sono será que me dá
Que todos os tremores me vem agitar
Que todos os ardores me vem atiçar
E todos os suores me vem encharcar
E todos os meus nervos estão a rogar
E todos os meus órgãos estão a clamar
E uma aflição medonha me faz suplicar
O que não tem vergonha nem nunca terá
O que não tem governo nem nunca terá
O que não tem juízo



Chico Buarque (Poeta, compositor, cantor brasileiro, 1944- )

Milton Nascimento (Cantor e compositor brasileiro, 1942- )

Chico Buarque - Porque Era Ela, Porque Era Eu



Foto: Bina Engel



Eu não sabia explicar nós dois
Ela mais eu, por que eu e ela
Não conhecia poemas
Nem muitas palavras belas
Mas ela foi me levando
Pela mão

Íamos tontos os dois assim ao léu
Ríamos, chorávamos sem razão
Hoje, lembrando-me dela
Me vendo nos olhos dela
Sei que o que tinha de ser se deu
Porque era ela
Porque era eu



Chico Buarque (Poeta, compositor, cantor brasileiro, 1944- )

Chico Buarque e Ruy Guerra - Sonho Impossível



Sonhar
Mais um sonho impossível
Lutar
Quando é fácil ceder
Vencer o inimigo invencível
Negar quando a regra é vender
Sofrer a tortura implacável
Romper a incabível prisão
Voar num limite improvável
Tocar o inacessível chão
É minha lei, é minha questão
Virar esse mundo
Cravar esse chão
Não me importa saber
Se é terrível demais
Quantas guerras terei que vencer
Por um pouco de paz
E amanhã, se esse chão que eu beijei
For meu leito e perdão
Vou saber que valeu delirar
E morrer de paixão
E assim, seja lá como for
Vai ter fim a infinita aflição
E o mundo vai ver uma flor
Brotar do impossível chão



J. Darion - M. Leigh - Versão Chico Buarque e Ruy Guerra/1972
Para o musical para O Homem de La Mancha, de Ruy Guerra


Chico Buarque (Poeta, compositor, cantor brasileiro, 1944- )

Ruy Guerra (Cineasta moçambicano, filho de portugueses, residente no brasil, 1931- )

Chico Buarque - Outros Sonhos



Soñé que el fuego helaba
Soñé que la nieve ardía
Y por soñar lo imposible
Soñé que tú me querías.
(Anónimo)


Sonhei que o fogo gelou
Sonhei que a neve fervia
Sonhei que ela corava
Quando me via
Sonhei que ao meio-dia
Havia intenso luar
E o povo se embevecia
Se empetecava João
Se emperiquitava Maria
Doentes do coração
Dançavam na enfermaria
E a beleza não fenecia

Belo e sereno era o som
Que lá no morro se ouvia
Eu sei que o sonho era bom
Porque ela sorria
Até quando chovia
Guris inertes no chão
Falavam de astronomia
E me jurava o diabo
Que Deus existia
De mão em mão o ladrão
Relógios distribuía
E a policía já não batia

De noite raiava o sol
Que todo mundo aplaudia
Maconha só se comprava
Na tabacaria
Drogas na drogaria
Um passarinho espanhol
Cantava esta melodia
E com sotaque esta letra
De sua autoria
Sonhei que o fogo gelou
Sonhei que a neve fervia
E por sonhar o impossível, ai
Sonhei que tu me querias

Soñé que el fuego heló
Soñé que la nieve ardía
Y por soñar lo imposible, ay, ay
Soñé que tú me querías




Chico Buarque (Poeta, compositor, cantor brasileiro, 1944- )

Chico Buarque - Cotidiano



Foto: José Pinto Ribeiro



Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã

Todo dia ela diz que é pra eu me cuidar
E essas coisas que diz toda mulher
Diz que está me esperando pro jantar
E me beija com a boca de café

Todo dia eu só penso em poder parar
Meio dia eu só penso em dizer não
Depois penso na vida pra levar
E me calo com a boca de feijão

Seis da tarde como era de se esperar
Ela pega e me espera no portão
Diz que está muito louca pra beijar
E me beija com a boca de paixão

Toda noite ela diz pra eu não me afastar
Meia-noite ela jura eterno amor
E me aperta pra eu quase sufocar
E me morde com a boca de pavor

Todo dia ela faz tudo sempre igual
Me sacode às seis horas da manhã
Me sorri um sorriso pontual
E me beija com a boca de hortelã



Chico Buarque (Poeta, compositor, cantor brasileiro, 1944- )

domingo, fevereiro 18, 2007

Chico Buarque - O meu amor



Foto: The kiss, de Maia



Teresinha:
O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
E que me deixa louca
Quando me beija a boca
A minha pele toda fica arrepiada
E me beija com calma e fundo
Até minh'alma se sentir beijada, ai

Lúcia:
O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
Que rouba os meus sentidos
Viola os meus ouvidos
Com tantos segredos lindos e indecentes
Depois brinca comigo
Ri do meu umbigo
E me crava os dentes, ai

As duas:
Eu sou sua menina, viu?
E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha
Do bem que ele me faz

Lúcia:
O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
De me deixar maluca
Quando me roça a nuca
E quase me machuca com a barba malfeita
E de pousar as coxas entre as minhas coxas
Quando ele se deita, ai

Teresinha
O meu amor
Tem um jeito manso que é só seu
De me fazer rodeios
De me beijar os seios
Me beijar o ventre
E me deixar em brasa
Desfruta do meu corpo
Como se o meu corpo fosse a sua casa, ai

A duas:
Eu sou sua menina, viu?
E ele é o meu rapaz
Meu corpo é testemunha
Do bem que ele me faz



Extracto da Ópera do Malandro de Chico Buarque

Chico Buarque (Poeta e Cantor brasileiro, 1944 - )

domingo, novembro 26, 2006

Elis Regina - Atrás da porta







Quando olhaste bem nos olhos meus
E o teu olhar era de adeus
Juro que não acreditei
Eu te estranhei
Me debrucei sobre o teu corpo e duvidei
E me arrastei e te arranhei
E me agarrei nos teus cabelos
Nos teus pêlos
Teu pijama
Nos teus pés
Ao pé da cama
Sem carinho, sem coberta
No tapete atrás da porta
Reclamei baixinho

Dei pra maldizer o nosso lar
Pra sujar teu nome, te humilhar
E me entregar a qualquer preço
Te adorando pelo avesso
Pra mostrar que ainda sou tua
Só pra provar que ainda sou tua...


Chico Buarque (Poeta e Cantor brasileiro, 1944 - ) e Francisco Hime (Poeta Brasileiro)

Elis Regina e Chico Buarque - Pois é






Pois é
Fica o dito e o redito por não dito
E é difícil dizer que foi bonito
É inútil cantar o que perdi

Taí
Nosso mais-que-perfeito está desfeito
E o que me parecia tão direito
Caiu desse jeito sem perdão

Então
Disfarçar minha dor eu não consigo
Dizer: somos sempre bons amigos
É muita mentira para mim

Enfim
Hoje na solidão ainda custo
A entender como o amor foi tão injusto
Pra quem só lhe foi dedicação



Chico Buarque (Poeta e cantor brasileiro, 1944- )

Palavras Recebidas



A propósito dos tema Nós como Gatos, a Amanda enviou-me um poema de Chico Buarque.

Amanda, obrigada pela participação.



Foto: autor desconhecido



História de uma Gata



Me alimentaram
Me acariciaram
Me aliciaram
Me acostumaram

O meu mundo era o apartamento
Detefon, almofada e trato
Todo dia filé-mignon
Ou mesmo um bom filé... de gato
Me diziam em casa, não tome vento
Mas é duro ficar na sua
Quando à luz da lua
Tantos gatos pela rua
Toda a noite vão cantando assim

Nós, gatos, já nascemos pobres
Porém, já nascemos livress
Senhor, senhora ou senhorio
Felino, não reconhecerás

De manhã eu voltei pra casa
Fui barrada na portaria
Sem filé e sem almofada
Por causa da cantoria
Mas agora o meu dia-a-dia
É no meio da gataria
Pela rua virando lata
Eu sou mais eu, mais gata
Numa louca serenata
Que de noite sai cantando assim

Nós, gatos, já nascemos pobres
Porém, já nascemos livres
Senhor, senhora ou senhorio
Felino, não reconhecerás



Chico Buarque (Poeta e cantor brasileiro, 1977)

domingo, outubro 29, 2006

Chico Buarque - Caçada









Não conheço seu nome ou paradeiro
Adivinho seu rastro e cheiro
Vou armado de dentes e coragem
Vou morder sua carne selvagem
Varo a noite sem cochilar, aflito
Amanheço imitando o seu grito
Me aproximo rondando a sua toca
E ao me ver você me provoca
Você canta a sua agonia louca
Água me borbulha na boca
Minha presa rugindo sua raça
Pernas se debatendo e o seu fervor
Hoje é o dia da graça
Hoje é o dia da caça e do caçador

Eu me espicho no espaço feito um gato
Pra pegar você, bicho do mato
Saciar a sua avidez mestiça
Que ao me ver se encolhe e me atiça
Que num mesmo impulso me expulso e abraça
Nossas peles grudando de suor
Hoje é o dia da graça
Hoje é o dia da caça e do caçador

De tocaia fico a espreitar a fera
Logo dou-lhe o bote certeiro
Já conheço seu dorso de gazela
Cavalo brabo montado em pêlo
Dominante, não se desembaraça
Ofegante, é dona do seu senhor
Hoje é o dia da graça
Hoje é o dia da caça e do caçador




Chico Buarque (Poeta e cantor brasileiro, 1944- )


Foto de Eugene Vardanyan


domingo, setembro 24, 2006

Chico Buarque - Solidão



Foto: sadness by Janesdead


Chico Buarque define solidão


Solidão não é a falta de gente para conversar, namorar, passear ou fazer sexo... Isto é carência!

Solidão não é o sentimento que experimentamos pela ausência de entes queridos que não podem mais voltar... Isto é saudade!

Solidão não é o retiro voluntário que a gente se impõe, às vezes para realinhar os pensamentos... Isto é equilíbrio!

Solidão não é o claustro involuntário que o destino nos impõe compulsoriamente... Isto é um princípio da natureza!

Solidão não é o vazio de gente ao nosso lado... Isto e circunstância!

Solidão é muito mais do que isto...

SOLIDÃO é quando nos perdemos de nós mesmos e procuramos em vão pela nossa alma.



Chico Buarque (Poeta, compositor, cantor brasileiro, 1944- )

domingo, julho 16, 2006

Chico Buarque - Teresinha










Foto de Emmanuelle Béart (autor desconhecido)



Teresinha


O primeiro me chegou
Como quem vem do florista
Trouxe um bicho de pelúcia
Trouxe um broche de ametista
Me contou suas viagens
E as vantagens que ele tinha
Me mostrou o seu relógio
Me chamava de rainha
Me encontrou tão desarmada
Que tocou meu coração
Mas não me negava nada
E, assustada, eu disse não

O segundo me chegou
Como quem chega do bar
Trouxe um litro de aguardente
Tão amarga de tragar
Indagou o meu passado
E cheirou minha comida
Vasculhou minha gaveta
Me chamava de perdida
Me encontrou tão desarmada
Que arranhou meu coração
Mas não me entregava nada
E, assustada, eu disse não

O terceiro me chegou
Como quem chega do nada
Ele não me trouxe nada
Também nada perguntou
Mal sei como ele se chama
Mas entendo o que ele quer
Se deitou na minha cama
E me chama de mulher
Foi chegando sorrateiro
E antes que eu dissesse não
Se instalou feito um posseiro
Dentro do meu coração


Chico Buarque (Cantor, Poeta, Escritor Brasileiro)