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domingo, agosto 26, 2007

Edwin Arlington Robinson - Richard Cory



Sempre que Richard Cory ia até a cidade cada mês,
Que o povo, na calçada, o olhasse era fatal:
Era um cavalheiro da cabeça aos pés,
De feições perfeitas, esbelto, imperial.

E sempre elegantemente bem vestido
E sempre muito humano quando falava;
Mas só em falar as pulsações haviam crescido,
"Bom dia", e até no andar ele brilhava.

E era rico-sim, mais rico do que um soberano
E admirável e educado em cada assunto singular:
Em suma, devia ter tudo possível a um ser humano.
O que nos fazia desejar estar no seu lugar

Assim nós vivemos esperando luz para a alma
E fomos sem a carne, e o pão a maldizer tão tolos ;
E Richard Cory, num verão, na noite calma,
Em casa estourou, com uma bala, os miolos.



Tradução: Silvio Persivo


Edwin Arlington Robinson (Poeta Norte-Americano, 1869-1935)



Whenever Richard Cory went down town,
We people on the pavement looked at him:
He was a gentleman from sole to crown,
Clean favored, and imperially slim.

And he always quietly arrayed,
And he was always human when he talked;
But still he fluttered pulses when he said,
“Good morning”, and he glittered he walked,

And he was rich-yes, richer than a king
And admirably schooled in every grace:
In fine, we thought that he was everything
To make us wish that we were in his place

So on we worked, and waited for the light,
And went without the meat, and cursed the bread;
And Richard Cory, one calm summer night,
Went home and put a bullet through his head.



Biografia de Edwin Arlington Robinson

domingo, outubro 08, 2006

Luís Vaz de Camões - Amor é fogo que arde sem se ver



Foto: love hurts by Dreamzincolor




Amor é fogo que arde sem se ver
É ferida que dói e não se sente
É um contentamento descontente
É dor que desatina sem doer

É um não querer mais que bem querer
É solitário andar por entre a gente
É nunca contentar-se de contente
É cuidar que se ganha em se perder

É querer estar preso por vontade
É servir a quem vence, o vencedor
É ter com quem nos mata lealdade.

Mas como causar pode seu favor
Nos corações humanos amizade,
Se tão contrário a si é o mesmo Amor?



Luís de Camões (Poeta português, 1524 ou 1525 - 1579 ou 1580)


Pablo Neruda - Não te quero senão porque te quero




Não te quero senão porque te quero




Não te quero senão porque te quero,
e de querer-te a não te querer chego,
e de esperar-te quando não te espero,
passa o meu coração do frio ao fogo.
Quero-te só porque a ti te quero,
Odeio-te sem fim e odiando te rogo,
e a medida do meu amor viajante,
é não te ver e amar-te,
como um cego.

Tal vez consumirá a luz de Janeiro,
seu raio cruel meu coração inteiro,
roubando-me a chave do sossego,
nesta história só eu me morro,
e morrerei de amor porque te quero,
porque te quero amor,
a sangue e fogo.




Pablo Neruda (Poeta Chileno, 1904-1973)


Foto: Blood and Fire, by Brunox

Leila Cristina de Carvalho - Paradoxo



Foto: Broken by seventytwodp




Meu coração partiu-se
Em duas partes iguais
Uma chora loucamente
Outra ri docemente
Uma é névoa negra
Outra nuvem cor-de-rosa
Uma é ferida que sangra
Outra riacho manso
Uma fez-se noite eterna
Outra repousa em silêncio.



Leila Cristina de Carvalho

Ângela Santos - Contradição



Foto: inside his cross by Monica Semergiu




Não
me lembres o tempo
que me lembras de mim
e eu quero a amnésia
não sentir…não pensar…

eu louca em busca
da paz e do silencio
quando a tempestade
é que me contagia.



Ângela Santos

Álvaro de Campos - Quando olho para mim não me percebo




Quando olho para mim não me percebo



Quando olho para mim não me percebo.
Tenho tanto a mania de sentir
Que me extravio às vezes ao sair
Das próprias sensações que eu recebo.

O ar que respiro, este licor que bebo
Pertencem ao meu modo de existir,
E eu nunca sei como hei-de concluir
As sensações que a meu pesar concebo.

Nem nunca, propriamente, reparei
Se na verdade sinto o que sinto. Eu
Serei tal qual pareço em mim? serei

Tal qual me julgo verdadeiramente?
Mesmo ante as sensações sou um pouco ateu,
Nem sei bem se sou eu quem em mim sente.


Lisboa, (uns seis a sete meses antes do Opiário) Agosto 1913



Álvaro de Campos (Fernando Pessoa, 1888-1935)


Foto: The war between me and me, by Funkyah

Everaldo Moreira Véras - Moinho




Moinho




Todos os dias me suicido,
invento dores e palavras absurdas,
é a fórmula que escolhi para me multiplicar.
Começo quando começa o dia,
estou eu sempre me recomeçando.
Faço assim porque tenho pressa,
pode ser que eu morra
antes do fim do mundo.
Além do mais,
a noite não espera
e guardo muito cuidado com ela porque,
no seu silêncio extremo,
está a perdição que me alimenta.
Percorro os caminhos como um navio,
desses que carregam fantasmas.
Vou repartindo o tempo,
ora estou na luz,
ora no escuro maior.
É assim a contradição que estabeleço
para que ninguém me encontre
nem tampouco imite o meu sofrer.
Escondo,
dentro de mim,
no peito,
um moinho.
No centro dele sou duro como ferro.



Everaldo Moreira Véras


Foto: thorazine by Esther G

Ângela Santos - Paradoxo



Foto: Black & White in full color By marja_FB



Na
inteireza das coisas simples,
no desvario urgente que nos leva adiante,
na coragem que exige, cada dia que começa,
no absurdo que grita pela boca da fome,
na festa que reina na nossa vontade cumprida
nesse estar além da pobreza de um quotidiano que fere,
no seio de cada minúsculo acto movido pelo coração
nas avenidas largas e solitárias percorridas,
na verdade e na força do amor
no paradoxo do belo e do bruto que nossa alma abriga
no gesto que em nós acorda a humana face do outro,
na mão que semeia, modela, acaricia, estrangula, esventra,
na viagem que faz o caminho sob o nosso andar
na alegria gerada em cada dia que nasce e nos devolve à vida
e até no silencio ante o meu questionar
eu pressinto um indecifrável sentido.

Por isso sigo, sem muito querer saber
Por isso me agito se oiço o chamado
por isso me entrego à vida e a bendigo
por isso espero se de espera é o momento
por isso me inquieto se o coração diz "Vai!" e eu me
detenho
vivo, sinto, espelho a dualidade viva de tudo o que é……

E além do mal e do bem me quedo,
olho o infinito e sinto-me poeira de estrelas com alma
e no chão que piso, oiço o pulsar do meu ser,
no riacho correndo entre sulcos, é o meu sangue que vibra
e no prumo de uma velha árvore
o sentido da dignidade eu vivo

Se tudo está em mim
parte de quê, enfim, sou ?



Ângela Santos