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quarta-feira, abril 09, 2008

Nuno Júdice - Braille



Foto: Norbert Guthier



Leio o amor no livro
da tua pele; demoro-me em cada
sílaba, no sulco macio
das vogais, num breve obstáculo
de consoantes, em que os meus dedos
penetram, até chegarem
ao fundo dos sentidos. Desfolho
as páginas que o teu desejo me abre,
ouvindo o murmúrio de um roçar
de palavras que se
juntam, como corpos, no abraço
de cada frase. E chego ao fim
para voltar ao princípio, decorando
o que já sei, e é sempre novo
quando o leio na tua pele.




Nuno Júdice (Escritor e Poeta português, 1949- )

sexta-feira, dezembro 07, 2007

Nuno Júdice - Declaração






Gosto das mulheres que envelhecem,
com a pressa das suas rugas, os cabelos
caídos pelos ombros negros do vestido,
o olhar que se perde na tristeza
dos reposteiros. Essas mulheres sentam-se
nos cantos das salas, olham para fora,
para o átrio que não vejo, de onde estou,
embora adivinhe aí a presença de
outras mulheres, sentadas em bancos
de madeira, folheando revistas
baratas. As mulheres que envelhecem
sentem que as olho, que admiro os seus gestos
lentos, que amo o trabalho subterrâneo
do tempo nos seus seios. Por isso esperam
que o dia corra nesta sala sem luz,
evitam sair para a rua, e dizem baixo,
por vezes, essa elegia que só os seus lábios
podem cantar.




in «A Fonte da Vida», 1997

Nuno Júdice (Escritor e Poeta português, 1949- )

domingo, fevereiro 11, 2007

Nuno Júdice - Quero definir-te o que é este sentimento




Foto de Alberto Monteiro



Quero definir-te o que é este sentimento:
o que pertence à esfera daquilo que a razão
não domina, ou simplesmente nasce da noite,
e de tudo o que a envolve. Falo de uma
íntima relação entre os seres, de emoções
que se transmitem para além de palavras e
conceitos, de um encontro de corpos na
esfera do segredo. Dir-me-ás: "Para que
precisas de uma explicação para o amor?"
Mas é a sua inutilidade que me interessa;
a dádiva, o simples dizer que as coisas são
assim porque são, e para além disso tudo
se complica. Podes, então, rir do que te
digo; ou simplesmente dizer-me que as
palavras nada substituem, e que tudo o que
elas nos dão está a mais. Mas o amor
pertence-nos. Não o podemos deitar fora;
nem fingir que não existe, como não existe
o infinito, a transcendência, a abstracção
divina, para quem só crê no concreto. É
verdade que o amor não se vê: o que vejo
são os teus olhos, a ternura súbita das
suas pálpebras, e o que elas abrem e
escondem numa hesitação de luz. Eis, então,
o que define este sentimento: um intervalo,
uma distracção do tempo, a divina abstracção
do infinito na transcendência do real.



Nuno Júdice (Escritor e Poeta português, 1949- )