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domingo, julho 08, 2007

Antero de Quental - Biografia



Pintura: Antero de Quental, por Columbano Bordalo Pinheiro



Antero de Quental é uma figura singular e cimeira na literatura portuguesa oitocentista: por ter sido o mentor de toda a Geração de 70, pelo drama filosófico e espiritual que foi a sua vida, pelas metamorfoses e tensões por que passou a sua criação poética e porque foi o primeiro escritor que nunca dissociou a condição (e o trabalho) de poeta da reflexão estética acerca da essência e função civilizadora da poesia e da arte no contexto duma filosofia da História - abrindo deste modo um espaço de modernidade nas Letras portuguesas. Antero nasceu em 1842, em Ponta Delgada, na Ilha de S. Miguel (Açores), e nessa mesma cidade se suicidou em 11 de Setembro de 1891. Na Universidade de Coimbra (onde se formou em Direito, entre 1858 e 1864) foi o principal impulsionador dos conflitos académicos que se opunham ao conservadorismo pedagógico e cultural. Foi neste ambiente de efervescência revolucionária que desencadeou, com a célebre Carta a Castilho, de 1865, a "Questão do Bom Senso e Bom Gosto" (ou Questão Coimbrã) - polémica que opôs um novo espírito científico e europeu e uma nova poesia social, partilhados pelos jovens universitários e futuros intelectuais, à generalizada indiferença cultural e ao sentimentalismo ultra-romântico. Em 1866, exerce o ofício de tipógrafo em Paris para, assim, conhecer as condições da classe operária; mas no ano seguinte regressa desiludido. Funda, com o socialista José Fontana , a Associação Fraternidade Operária. Até 1871 torna-se o pólo dinamizador do "Cenáculo", grupo de intelectuais e amigos (entre eles Eça de Queirós , Jaime Batalha Reis , Oliveira Martins e Ramalho Ortigão ) a que se ficaram a dever as Conferências Democráticas do Casino, em 1871. Com Batalha Reis dirige em 1875 a Revista Ocidental . Todavia, a morte do pai, em 1873, a doença, o atraso cultural e o baixo nível moral do país, a influência do pessimismo filosófico (sobretudo de Schopenhauer e Hartmann) originam em Antero uma longa e dolorosa crise pessoal, metafísica e religiosa, de que a maioria dos Sonetos é a melhor expressão literária e o ensaio sobre as Tendências Gerais da Filosofia na Segunda Metade do Século XIX (1890) é a mais alta reflexão filosófica ao substituir o desespero pela consciência no processo da libertação humana. Mas a persistência da doença (de foro psíquico), a profunda crise nacional (em 1890 dá-se o Ultimato inglês) e a incompreensão familiar só reforçam o sentimento de angústia - o qual poderá explicar a morte trágica do nosso poeta-filósofo.

As suas obras principais são: Sonetos , Coimbra, 1861; Odes Modernas , Coimbra, 1865; Causas da Decadência dos Povos Peninsulares , Porto, 1871; Primaveras Românticas , Porto, 1872; Sonetos Completos , Porto, 1886; Cartas Inéditas de Antero de Quental a Oliveira Martins , Coimbra, 1931; Prosas Sócio-Políticas , publ. e apres. por Joel Serrão, Lisboa, I.N.-C.M.,1982.

Retirado da Diciopédia 2003 - © 2002 Porto Editora, Lda.



Antero de Quental - Aspiração



Meus dias vão correndo vagarosos,
Sem prazer e sem dor parece
Que o foco interior já desfalece
E vacila com raios duvidosos.

É bela a vida e os anos são formosos,
E nunca ao peito amante o amor falece…
Mas, se a beleza aqui nos aparece,
Logo outra lembra de mais puros gozos.

Minha alma, ó Deus! a outros céus aspira:
Se um momento a prendeu mortal beleza,
É pela eterna pátria que suspira…

Porém, do pressentir dá-ma a certeza,
Dá-ma! e sereno, embora a dor me fira,
Eu sempre bendirei esta tristeza!



Antero de Quental (Poeta português. Ponta Delgada, 1842-1891)

Antero de Quental - A sulamita



Pintura: Sleeping beauty, Michael Garmash.



Ego dormio, et cor meum vigilat.
Cântico dos Cânticos


Quem anda lá fora, pela vinha,
Na sombra do luar meio encoberto,
Subtil nos passos e espreitando incerto,
Com brando respirar de criancinha?

Um sonho me acordou... não sei que tinha...
Pareceu-me senti-lo aqui tão perto...
Seja alta noite, seja num deserto,
Quem ama até em sonhos adivinha...

Moças da minha terra, ao meu amado
Correi, dizei-lhe que eu dormia agora,
Mas que pode ir contente e descansado,

Pois se tão cedo adormeci, conforme
É meu costume, olhai, dormia embora,
Porque o meu coração é que não dorme...



Antero de Quental (Poeta português. Ponta Delgada, 1842-1891)



Antero de Quental - Ideal



Foto: Body coming from a dream, por Rui Gomes



Aquela, que eu adoro, não é feita
De lírios nem de rosas purpurinas
Não tem as formas lânguidas, divinas
Da antiga Vénus de cintura estreita...

Não é a Circe, cuja mão suspeita
Compõe filtros mortais entre ruínas,
Nem a Amazona, que se agarra às crinas
Dum corcel e combate satisfeita...

A mim mesmo pergunto, e não atino
Com o nome que dê a essa visão,
Que ora amostra ora esconde o meu destino...

É como uma miragem que entrevejo,
Ideal, que nasceu na solidão,
Nuvem, sonho impalpável do Desejo...



Antero de Quental (Poeta português. Ponta Delgada, 1842-1891)

Antero de Quental - Idílio



Quando nós vamos ambos, de mãos dadas,
Colher nos vales lírios e boninas,
E galgamos de um fôlego as colinas
Do rocio da noite inda orvalhadas;

Ou vendo o mar, das ermas cumeadas,
Contemplamos as nuvens vespertinas,
Que parecem fantásticas ruínas
Ao longe no horizonte amontoadas;

Quantas vezes, de súbito, emudeces!
Não sei que luz no teu olhar flutua;
Sinto tremer-te a mão, e empalideces...

O vento e o mar murmuram orações
E a poesia das cousas se insinua
Lenta e amorosa em nossos corações.



Antero de Quental (Poeta português. Ponta Delgada, 1842-1891)

Antero de Quental - Oceano Nox



Foto: Mar em dia de tempestade biscoitos, Ilha da Terceira, de Ideias e Ideias



Junto do mar, que erguia gravemente
A trágica voz rouca, enquanto o vento
Passava como o vôo do pensamento
Que busca e hesita, inquieto e intermitente,

Junto do mar sentei-me tristemente,
Olhando o céu pesado e nevoento,
E interroguei, cismando, esse lamento
Que saía das coisas, vagamente…

Que inquieto desejo vos tortura,
Seres elementares, força obscura?
Em volta de que idéia gravitais?

Mas na imensa extensão, onde se esconde
O Inconsciente imortal, só me responde
Um bramido, um queixume, e nada mais…



Antero de Quental (Poeta português. Ponta Delgada, 1842-1891)

Antero de Quental - Despondency



Deixá-la ir, a ave, a quem roubaram
Ninho e filhos e tudo, sem piedade…
Que a leve o ar sem fim da soledade
Onde as asas partidas a levaram…

Deixá-la ir a vela, que arrojaram
Os tufões pelo mar, na escuridade,
Quando a noite surgiu da imensidade,
Quando os ventos do Sul se levantaram…

Deixá-la ir, a alma lastimosa,
Que perdeu fé e paz e confiança,
À morte queda, à morte silenciosa…

Deixá-la ir, a nota desprendida
Dum canto extremo… e a última esperança…
E a vida… e o amor… deixá-la ir, a vida!



Antero de Quental (Poeta português. Ponta Delgada, 1842-1891)

Antero de Quental - Divina Comédia



Imagem: Paramours and flatterers, retirada da net.



Erguendo os braços para o Céu distante
E apostrofando os deuses invisíveis,
Os homens clamam: - «Deuses impassíveis,
A quem serve o destino triunfante,

Porque é que nos criastes?! Incessante
Corre o tempo e só gera, inextinguíveis,
Dor, pecado, ilusão, lutas horríveis,
Num turbilhão cruel e delirante...

Pois não era melhor na paz clemente
Do nada e do que ainda não existe,
Ter ficado a dormir eternamente?

Porque é que para a dor nos evocastes?»
Mas os deuses, com voz inda mais triste,
Dizem: - «Homens! porque é que nos criastes?!»




Antero de Quental (Poeta português. Ponta Delgada, 1842—1891)

Antero de Quental - O Palácio da Ventura



Sonho que sou um cavaleiro andante.
Por desertos, por sóis, por noite escura,
Paladino do amor, busco anelante
O palácio encantado da Ventura!

Mas já desmaio, exausto e vacilante,
Quebrada a espada já, rota a armadura...
E eis que súbito o avisto, fulgurante
Na sua pompa e aérea formusura!

Com grandes golpes bato à porta e brado:
Eu sou o Vagabundo, o Deserdado...
Abri-vos, portas d'ouro, ante meus ais!

Abrem-se as portas d'ouro, com fragor...
Mas dentro encontro só, cheio de dor,
Silêncio e escuridão - e nada mais!



Antero de Quental (Poeta português. Ponta Delgada, 1842—1891)

Antero de Quental - Palavras dum Certo Morto



Há mil anos, e mais, que aqui estou morto,
Posto sobre um rochedo à chuva e ao vento:
Não há como eu espectro macilento,
Nem mais disforme que eu nenhum aborto…

Só o espírito vive: vela absorto
Num fixo, inexorável pensamento:
«Morto, enterrado em vida!» o meu tormento
É isto só… do resto não me importo…

Que vivi sei-o eu bem… mas foi um dia,
Um dia só – no outro, a Idolatria
Deu-me um altar e um culto… ai! adoraram-me,

Como se eu fosse alguém! como se a Vida
Pudesse ser alguém!– logo em seguida
Disseram que era um Deus… e amortalharam-me!



Antero de Quental (Poeta português. Ponta Delgada, 1842-1891)